quinta-feira, julho 06, 2017

Na URSS, todos os caminhos levavam ao mesmo sítio (pequenos ensaios)


Mikhail Bulgakov é, talvez, um dos autores russo/soviéticos mais enigmáticos. Autor de obras imortais como "Mestre e Margarida" ou "Coração de Cão", foi dos poucos que ousou desafiar Estaline e a ditadura por este criada.  
Em 21de Julho de 1924, quando José Estaline começava a alargar e reforçar a teia da sua sangrenta ditadura, Bulgakov escreveu no seu diário: "I. e O. chegaram de Samara [cidade do sul da URSS].Lá, há dois eléctricos. Um tem a inscrição "Praça da Revolução - Prisão", e o outro ""Praça dos Sovietes - Prisão. Qualquer coisa deste género. Numa palavra, todos os caminhos vão dar a Roma".
O diário deste visionário foi confiscado pelo OGPU (polícia secreta soviética), mas, depois de muita insistência do autor, foi-lhe devolvido. Ele, tal como o Mestre do seu famoso romance - terminado em 1940 e só publicado após a morte do ditador - apressou-se a queimá-lo.
Talvez o tivesse feito como o fez o Mestre: "Partindo as unhas, rasgava os meus cadernos, punha-os de pé entre as achas de lenha e batia nas folhas com um atiçador. Por vezes, as cinzas vinham para cima e apagavam a chama, mas eu combatia-as... Dançavam à minha frente as palavras familiares, o amarelo invadia irresistivelmente as páginas, de baixo para cima, mas as palavras transpareciam. apesar de tudo. Só desapareciam quando o papel enegrecia e eu lhes vibrava furiosamente o último golpe com o atiçador..."
Mas se Mikhail Bulgakov queimou o diário, como é que ele chegou até nós?
Aqui também existe algo de místico. No seu romance "Mestre e Margarida", a figura diabólica de Voland pede ao Mestre para lhe deixar ver o diário, ao que este lhe respondeu: "- Infelizmente, não posso... queimei-o no fogão da sala. - Desculpe, mas não acredito, replicou Voland. Não é possível. Os manuscritos não ardem."
E assim aconteceu, ou mais precisamente, Bulgakov queimou o diário, mas a polícia política tinha feito uma cópia dactilografada desses escritos, que chegaram até aos nossos dias.  
Era assim a vida na ditadura comunista, instaurada pela força há 100 anos atrás. 

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